Pai de transexual relata luta contra preconceito: ‘Fui a balada para ela não ser agredida’

 

Preocupado com possíveis episódios de preconceito que a filha transexual Jessyca Dias poderia sofrer durante a juventude, o sapateiro Arlindo Dias, de Jundiaí (SP), tomou uma decisão de amor e proteção: acompanhá-la até em bares e baladas.

Jessyca, 32 anos, é a primeira transexual da cidade a conquistar o direito de usar o nome social nos documentos pessoais, mesmo sem ter feito a cirurgia para mudança de sexo. A conquista, segundo ela, é resultado de um processo que teve o apoio de toda a família.

“Eu ia na balada com ela, tinha medo que ela apanhasse, que acontecesse algo de ruim”, comenta o pai.

Em entrevista ao G1, a transexual destaca a proteção do pai, além de todo o apoio que ele sempre deu a escolha dela. “Eu tenho o melhor pai do mundo, pois ele me entende, me aceita. Me sinto privilegiada por ter ele como pai. Ele me ensinou a respeitar as diferenças e, acima de tudo, me ensinou que não devo ter medo de enfrentar o mundo. Amo demais esse homem.”

Jessyca lembra que o pai passou a acompanhá-la após ser vítima de violência. “Uma vez fui agredida, puxaram meu cabelo e eu levei uma rasteira. Só não apanhei mais porque tinha gente por perto e eles me protegeram. Depois disso meu pai ficou medo e passou a me acompanhar em alguns lugares.”

Arlindo afirma que desde a infância percebia que a filha tinha um comportamento diferente de outras crianças, mas que nunca teve preconceito em relação a orientação sexual. “Percebemos no comportamento dela, porque dávamos carrinho e ele não queria, deixava de lado e se juntava com as bonecas das meninas.”

Transformação

Jessyca assumiu para família que era uma mulher trans aos 15 anos, mas somente aos 18 decidiu que começaria a transformar o corpo. A jovem fez acompanhamento psicológico e frequentou sessões de terapia, que a ajudaram a confirmar ser uma mulher ‘aprisionada’ no corpo de homem.

Pouco tempo depois, Jessyca deu início as mudanças físicas tomando hormônios antiandrógeno, que servem para inibir a manifestação dos hormônios masculinos no corpo.

Em seguida, começou também o tratamento com hormônios femininos, fase que marcou a vida da atendente, pois deixou de lado as roupas de homem. Em 2010, com 25 anos, Jessyca colocou próteses de silicone nos seios, cirurgia que reforçou ainda mais sua feminilidade.

“Ela veio conversar comigo quando foi colocar silicone, então foi uma coisa natural. As pessoas não podem ter preconceito com isso, cada um sabe o que quer e o que é”, afirma Arlindo.

A atendente confessa que um dos maiores medos durante a transição foi o afastamento dos amigos de infância, mas Jessyca garante que todos entenderam e aceitaram sua transformação.

Jéssyca Dias junto com o pai e irmã em Jundiaí (Foto: Arquivo Pessoal)

Jéssyca Dias junto com o pai e irmã em Jundiaí (Foto: Arquivo Pessoal)

“Eu quero ser trans porque é uma vontade minha, eu vou ter a mesma personalidade só que com um corpo diferente, como eu me sinto.”

Atualmente, Jessyca cursa recursos humanos e conta que apesar dos preconceitos nunca ficou fora do mercado de trabalho, mas que conhece muitas transexuais que sofrem com isso mesmo tendo um ótimo currículo. “Gosto muito de gente. Faço curso técnico de recursos humanos por isso, mas o meu sonho é um dia conseguir fazer psicologia.”

Durante a transição, o pai conta que não entendia bem o que a filha era, mas que ainda assim aceitou bem sua escolha, e em nenhum momento pensou em deixar de falar com ela ou manter contato.

“Até então eu não sabia o que eu era trans e o que era travesti, e tem diferença. No começo eu pensei que ela era uma travesti, e depois que eu entendi psicologicamente que ele era uma mulher.”

O pai revelou que ele não tem nenhum preconceito, mas que já percebeu olhares e risos maldosos direcionados a filha. Hoje ele conta que brinca com a situação, e que prefere ver a filha bem do que se importar com as opiniões alheias. “O amor por ela é muito grande, não tem nem como explicar. Minhas duas filhas são as coisas mais importantes da minha vida”. Fonte G1

Transexual de Jundiaí consegue na Justiça direito de alterar documentos pessoaisTransexual de Jundiaí consegue na Justiça direito de alterar documentos pessoais

‘Totalmente realizada’

Jessyca conseguiu o direito de corrigir os documentos pessoais depois de enfrentar uma “batalha” de quase quatro anos na Justiça. Esta é uma decisão inédita na cidade, de pouco mais de 400 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ela conta que hoje se sente uma cidadã.

“Estou totalmente realizada. Mostrar para as pessoas que as transexuais têm direito de ir e vir e estarem onde quiserem.”

Jessyca diz que sempre esteve decicida em buscar alterar o registro nos documentos e para isso procurou ajuda judicial para fazer a retificação.

A advogada dela, Rose Gouvêa, comenta que o processo foi difícil, mas sempre foi otimista. E, hoje, o nome de Jessyca Dias está impresso tanto na certidão de nascimento, como no RG e CNH.

“Felizmente não precisamos chegar até o Supremo [Tribunal Federal]. Nós conseguimos a vitória na segunda instância, no Triubunal de Justiça de São Paulo, que concedeu o direito a Jessyca, de usar o nome e mudar o gênero na sua certidão de nascimento.”

‘Futebol não, boneca’

Jessyca conta que na infância, aos sete anos, sabia que tinha um comportamento diferente das crianças da mesma idade.“Futebol, coisas que meninos faziam eu não fazia. Eu gostava de ficar junto com as meninas, brincando de boneca.

Ela lembra que passar pelo período escolar foi difícil. Foi então que teve que procurar um psicólogo para descobrir uma forma de resistir aos ataques e as brincadeiras preconceituosas .Já na maioridade, Jessyca se abriu com a família.

Após quatro anos buscando recurso na Justiça, Jessyca realizou um sonho. Ela foi até o posto de atendimento do Poupatempo e fez os documentos: RG, carteiras de trabalho e de motorista. Fonte G1