Cai o nº de mulheres vítimas de homicídio, mas registros de feminicídio crescem no Brasil

O Brasil teve uma ligeira redução no número de mulheres assassinadas em 2018. Mas, ainda assim, os registros de feminicídio cresceram em um ano. É o que mostra um levantamento feito pelo G1 com base nos dados oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal.

São 4.254 homicídios dolosos de mulheres, uma redução de 6,7% em relação a 2017, quando foram registrados 4.558 assassinatos – a queda é menor, porém, que a registrada se forem contabilizados também os homens.

Houve ainda um aumento no número de registros de feminicídio, ou seja, de casos em que mulheres foram mortas em crimes de ódio motivados pela condição de gênero. Foram 1.173 no ano passado, ante 1.047 em 2017.

O levantamento, publicado nesta sexta (8), Dia Internacional da Mulher, faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

METODOLOGIA: Monitor da Violência

O novo levantamento revela que:

  • O Brasil teve 4.254 homicídios dolosos de mulheres em 2018 (uma redução de 6,7% em relação ao ano anterior)
  • Do total, 1.173 são feminicídios (número maior que o registrado em 2017).
  • Oito estados registram um aumento no número de homicídios de mulheres; 15 contabilizam mais vítimas de feminicídio em 2018
  • Roraima é o que tem o maior índice de homicídios contra mulheres: 10 a cada 100 mil mulheres
  • Acre é o estado com a maior taxa de feminicídios: 3,2 a cada 100 mil

Desde 9 de março de 2015, a legislação prevê penalidades mais graves para homicídios que se encaixam na definição de feminicídio – ou seja, que envolvam “violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. Os casos mais comuns desses assassinatos ocorrem por motivos como a separação.

Os dados mostram que, quatro anos após a sanção da Lei do Feminicídio, há uma maior notificação desses casos — ou seja, mais delegados estão enquadrando os crimes como feminicídio, e não apenas como homicídio doloso.

 — Foto: Betta Jaworski/G1

— Foto: Betta Jaworski/G1

Transparência

Doze estados não possuem dados de feminicídio de 2015, ano em que a lei entrou em vigor. Oito não têm a estatística também para 2016.

Veja os estados que ainda registram problemas nos dados de 2017 e 2018:

  • Amazonas: a secretaria diz que os dados de homicídio de mulheres de 2018 se referem apenas a Manaus, “que concentra 90% dos casos”. Os dados completos só devem ser divulgados em dois meses
  • Ceará: os dados de 2017 estão incompletos. A assessoria de análise estatística e criminal da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social diz que apenas no fim de 2017 foi implementada a categoria de feminicídio no Sistema de Informação Policial. A Comissão de Estudo do Perfil das Vítimas de CVLI, no entanto, fez um levantamento e identificou as mulheres vítimas de feminicídio em 2017 em Fortaleza e na região metropolitana da capital
  • Mato Grosso: a secretaria afirma que não tem dados de feminicídio para os anos de 2015, 2016 e 2017
  • Paraíba: os dados de feminicídio de 2018 se referem apenas ao período de janeiro a setembro. Os dados do último trimestre ainda não foram divulgados
  • Rondônia: o governo não informa os dados de feminicídio de 2017
  • Sergipe: o governo diz que só possui os dados de feminicídio de 2017 da região metropolitana de Aracaju (que engloba também os municípios de Nossa Senhora do Socorro, São Cristóvão e Barra dos Coqueiros)
  • Tocantins: o governo diz que não tem dados de feminicídio de 2017 especificados

Maior taxa de feminicídios

O Acre é o estado com a maior a taxa de feminicídios do país: 3,2 mortes a cada 100 mil mulheres. Além disso, possui a terceira maior taxa geral de homicídios contra mulheres: 8,1 a cada 100 mil pessoas.

O governo do estado diz que o aumento da criminalidade contra mulheres se deve ao envolvimento das vítimas com facções criminosas.

Segundo o governo, para tentar coibir essa violência, a nova gestão lançou um aplicativo para mulheres que estão sob medidas protetivas. A ferramenta facilita o acionamento da polícia em caso de violência doméstica.

“O governo também vem criando políticas públicas para a conscientização social a respeito do assunto, e buscando melhorar o atendimento nos órgãos de proteção à mulher, para que sejam amparadas e recebam a proteção necessária das investidas de agressores”, diz.

Um dos casos investigados como feminicídio no Acre é o de Guiomar Rodrigues, de 34 anos. Ela trabalhava em uma panificadora em Rio Branco e foi achada morta por estrangulamento em dezembro do ano passado, em uma área de mata.

Guiomar foi achada morta em matagal com corda enrolada no pescoço, em Rio Branco — Foto: Arquivo pessoal

Guiomar foi achada morta em matagal com corda enrolada no pescoço, em Rio Branco — Foto: Arquivo pessoal

O principal suspeito do crime é o sargento da reserva da Polícia Militar José Eronilson Brandão, de 51 anos, com quem ela tinha um relacionamento extraconjugal. O crime foi motivado, segundo a polícia, porque a vítima descobriu que estava grávida. Ele está preso em Rio Branco e nega o crime.

“Estava grávida de quatro meses e tinha um caso com o policial, que era vizinho. Ela veio me contar isso depois que ficou grávida, conversamos muito e ela abriu o jogo”, conta uma prima de Guimar, que pede para não ter o nome revelado pelo G1. “Tinha de um a dois anos esse relacionamento, foi quando ficou grávida. Soube na quinta, no sábado ele a matou.”

Feminicídio x homicídio

Segundo o delegado Martin Hessel, da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHH) em Rio Branco, o caso de Guiomar foi enquadrado como feminicídio por causa da relação que ela mantinha com o acusado, bem como pelo fato de que estava grávida.

“[Foi um feminicídio] por conta da gravidez. Ele é apontado como genitor dessa criança, e por essa relação de proximidade entre os dois. Por isso se enquadra dentro da qualificadora do homicídio”, diz

O delegado explica que a investigação do feminicídio tem características próprias.

“Normalmente, nos casos de feminicídio, há uma relação de proximidade entre o agressor e a vítima, uma relação de confiança entre as partes, e isso coloca normalmente a mulher como a parte vulnerável da relação”, afirma o delegado Martin Herrel, de Rio Branco.

Assassinatos em alta

Roraima, estado que teve a maior alta de mortes violentas em 2018, foi também o que registrou o maior crescimento no número de assassinatos de mulheres. Foram 28 vítimas no ano passado, ante 15 em 2017 – um aumento de 87%.

Em nota, a Polícia Civil de Roraima se defende e diz que o estado tem altos índices de solução de crimes. Segundo o órgão, o aumento de homicídios dolosos contra mulheres está relacionado ao fato de que as mulheres estão cada vez mais envolvidas com facções criminosas.

A Polícia Civil de Roraima afirma que, por ser o estado menos populoso do Brasil, “qualquer pico de violência afeta grandemente os números estatísticos”. “Quando ocorrem guerras entre facções, há geralmente picos de incrementos nos índices de homicídios tanto de homens como de mulheres envolvidos com essas facções”, diz.

Casos em 2019

Neste ano, os registros de feminicídios e de agressões a mulheres seguem recebendo destaque. Apenas nesta semana, a poucos dias do Dia Internacional da Mulher, diversos casos chamaram a atenção.

Em Borborema (SP), Thaís de Andrade, de 29 anos, morreu estrangulada pelo namorado na terça-feira (5). Segundo a polícia, o crime aconteceu durante uma briga do casal, quando os dois voltavam de uma festa de carnaval. Anderson Dornelos Urich, de 25 anos, foi preso.

Thais de Andrade foi morta pelo namorado, Anderson Urich, após uma festa de carnaval em Borborema — Foto: Redes sociais/Reprodução

Thais de Andrade foi morta pelo namorado, Anderson Urich, após uma festa de carnaval em Borborema — Foto: Redes sociais/Reprodução

Já em Goiânia, uma mulher de 42 anos disse que precisou se fingir de morta para que o ex-namorado parasse de agredi-la. Os dois haviam terminado o relacionamento há um mês por causa do ciúme excessivo dele. O homem, porém, não aceitou o fim do namoro.

“Partiu para cima de mim, me enforcou, me sufocava. Até que eu fingi de morta e ele me largou. […] Ele é forte, eu não dava conta de mexer. Depois ele foi só me estuprando, fazendo tudo comigo”, conta a mulher.

Na quarta-feira (6), mais de cinco casos de agressão a mulheres foram registrados pelo G1 em todo o país. Todas as investigações apontam para os companheiros das vítimas.

Jane, Claudia, Cintia… Diversas mulheres foram vítimas de agressões de seus companheiros na quarta-feira (6) — Foto: Arte/G1

Em fevereiro, um caso do Rio de Janeiro chamou a atenção de todo o país por conta do grau de violência. Elaine Perez Caparroz, de 55 anos, foi espancada durante quatro horas em seu apartamento por Vinícius Batista Serra, de 27 anos. Aquele foi o primeiro encontro dos dois, que tinham se conhecido na internet.

“A última coisa que eu lembro foi eu deitando no ombro dele e, depois disso, não sei dizer quanto tempo depois, eu já estava no chão com ele em cima de mim, desferindo vários socos horríveis no meu rosto, me agredindo muito, muito. Eu não entendi nada”, diz Elaine

Vinicius Serra, que é estagiário em direito, foi preso em flagrante pelas agressões.

Elaine Caparroz foi agredida durante quatro horas em seu apartamento no Rio — Foto: Reprodução

Elaine Caparroz foi agredida durante quatro horas em seu apartamento no Rio — Foto: Reprodução

(Atualização: o G1 recebeu os dados de Mato Grosso apenas na noite de quinta-feira, quando o levantamento já estava fechado. Os dados foram atualizados nesta sexta-feira, 8.)