CATANDO MILHO
Em criança, estudei no Tomaz Menk. Arteiro, como ninguém. Precisava de um emprego. Meu pai queria que eu fizesse datilografia, porque naquele tempo bancos e escritórios só davam empregos para quem soubesse escrever à máquina. Fui matriculado na escolinha da dona Páscoa. A máquina era uma Remington 12. Enorme no tamanho e no barulho que fazia. Eu tinha dois defeitos: era teimoso, feito uma mula e, só sabia escrever com dois dedos.
Dona Páscoa repudiava o meu estilo. Exagerava que o meu método era um retrocesso na história mundial da datilografia. Está no meu currículo: já fui um “Retrocesso na História”. Ela dizia que o meu estilo parecia frango catando milho. Tentou corrigir-me. Ao perceber que os dez dedos mais atrapalhavam do que ajudavam, acabou por aceitar que eu continuasse usando apenas os indicadores para teclar. Na adolescência fui parar num Banco. Um estabelecimento bancário voltado para o futuro. A filial tinha máquinas de esferas que revolucionariam a datilografia no mundo. As esferas eram umas bolinhas que imprimiam as letras. Cada máquina trazia uma coleção de esferas, cada qual com um tipo diferente de letra. Espelhei-me na habilidade de um colega, um dos mais rápidos datilógrafos que conheci. Tornei-me um bom datilógrafo, mas só escrevia catando milho, estilo que dona Páscoa sempre repudiou. Também nas máquinas de esferas, continuei catando milho.
Mais tarde, um desvio de rumo. Passei a produzir pautas, mas acreditem, catando milho. Em São Paulo, ganhei do saudoso Padre Luis Ilc uma máquina portátil Olímpia, que ele trouxera da Alemanha. O presente foi porque eu produzia o jornalzinho da paróquia. Foi nela que datilografei (catando milho) homéricas reportagens, saudosas crônicas e até cheguei a cometer algumas poesias que devem ter feito Olavo Bilac e Castro Alves virarem no túmulo.
A Olímpia se acomodou no tempo e eu tive que abandoná-la. Apesar de não ter evoluído, ela nunca perdeu o brilho nem a beleza. Hoje trabalho no meu computador Dell, de última geração, com monitor Soyo de 19 polegadas e com tela antiofuscante. A tecnologia evoluiu. Eu continuo escrevendo com dois dedos. Catando milho.
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(Alcindo Garcia é Jornalista) e-mail: alcindogarcia@uol.com.br