Com fósseis encontrados em Marília, espécie de sapo pré-histórico recebe nome científico em homenagem à cidade
Crânio do sapo pré-histórico Mariliabatrachus Navai, descoberto
em Marília (SP) — Foto: William Roberto Nava/Arquivo pessoal
Uma espécie de sapo do período Cretáceo, entre 130 milhões e 65 milhões de anos atrás, foi catalogada cientificamente com o nome em homenagem a Marília (SP), cidade onde os fósseis do anfíbio foram encontrados, e ao professor responsável pela descoberta.
Os fósseis da espécie Mariliabatrachus Navai foram descobertos em escavações do paleontólogo William Roberto Nava, localizado na formação Adamantina da região de Marília, mais precisamente no afloramento Estrada Velha, 10 quilômetros ao sul de Marília. Ele fez a descoberta entre dezembro de 2000 e fevereiro de 2001.
“Achei esses pequenos ossinhos. Busquei na literatura científica e soube que eram de pequenos anuros (sapos). Foram dezenas de ossinhos escavados e mantidos em rochas de arenito da formação Adamantina (nome da rocha) que ocorre aqui na região centro-oeste e oeste do estado de SP, além de áreas do Triângulo Mineiro e sul de Goiás. Essa região toda é conhecida na geologia como Bacia ou Grupo Bauru, da idade Cretáceo”, revela William.
As dezenas de fósseis encontradas foram levadas para o Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP), onde se tornaram objeto de pesquisa durante as últimas duas décadas.
No último dia 15 de novembro, o registro com o nome científico foi divulgado com a publicação de um artigo na revista Zoological Journal of the Linnean Society, da Universidade de Oxford. Os fósseis foram reconhecidos, oficialmente, pela comunidade científica como uma peça rara.
O novo registro foi feito por três pesquisadores da USP, responsáveis pela publicação: Rodolfo Otávio Santos, Alberto B. Carvalho e Hussam Zaher.
Paleontólogo acredita que sapos faziam parte da dieta de crocodilos
pré-históricos — Foto: William Roberto Nava/Arquivo pessoal
A denominação escolhida Mariliabatrachus Navai para o novo fóssil classificado tem o prefixo Marília, em referência ao local da descoberta, e o segundo nome Navai, que refere-se ao sobrenome do paleontólogo William Roberto Nava.
“O primeiro estudo com os ossinhos dos sapos foi feito em 2006, com a tese de doutorado do Prof. Dr. Alberto B. de Carvalho (Beto) da USP. E neste mês, após alguns anos de estudos, a USP está publicando este artigo científico com os sapinhos fósseis. Me senti reconhecido e muito agradecido pela homenagem”, pontua o professor.
Pesquisador William Roberto Nava foi homenageado em batismo
de nova espécie de sapo pré-histórico — Foto: Stephanie Fonseca/g1
Crocodilo pré-histórico
É o segundo fóssil achado nesse sítio paleontológico que leva o nome de Marília. A pesquisa destes fósseis já havia identificado anuros associados a esqueletos do crocodilomorfo Mariliasuchus amarali, fóssil de uma espécie de crocodilo pré-histórico também descoberto por Nava, durante escavações voluntárias em 1995, e que também recebeu nome em homenagem a Marília.
Mariliasuchus era um crocodilo onívoro, com dentição composta por caniniformes, incisiformes, pré-molares e molares, que poderia se alimentar tanto de carnes quanto de vegetais e provavelmente raízes. É uma espécie primitiva de crocodilo só encontrado, até o momento, na região de Marília.
“Logo de cara fiz as primeiras descobertas de fósseis de crocodilos primitivos, de pequeno tamanho (cerca de 1,20 m de comprimento). Além de encontrar os restos ósseos e esqueletos, encontrava também ninhadas de ovos e coprólitos (depois reconhecidos como pertencentes ao Mariliasuchus), inclusive o primeiro registro efetivo de ovos de crocodilo fóssil da Bacia Bauru vem de Marília, pertencentes ao Mariliasuchus”, conta o paleontólogo.
Os sapos eram provavelmente parte da alimentação dos crocodilos, segundo o professor, e conviviam não somente com os crocodilos pré-históricos, mas também com os dinossauros. A região de Marília é um dos principais potenciais fossilíferos da América do Sul.
“O sítio Estrada Velha também apresenta uma rica concentração de microfósseis (ostrácodes e algas carófitas) indicando ser no passado um ambiente, embora seco, com lâminas d’agua e talvez pequenos rios que suportavam a vida desse animais. Restos ósseos de lagartos também foram registrados nesse local”, explica William.
A morfologia da nova espécie de anuro foi descrita com uso de microscopia de alta resolução e análise de aspectos morfológicos, genéticos, fisiológicos e reprodutivos que envolveu informações de animais vivos e extintos.
O professor Nava explica que esse tipo de fóssil é escasso e, muitas vezes, limitado a alguns espécimes danificados com afinidades incertas. No Brasil, há registro somente de outras três espécies de sapos pré-históricos como o encontrado em Marília.
Descoberta de fósseis de sapos pré-históricos foi feita
em 2001 — Foto: William Roberto Nava/Arquivo pessoal
Terra de fósseis
Já faz quase três décadas desde o anúncio feito por Cid Moreira na bancada do Jornal Nacional sobre a descoberta de um fóssil de dinossauro em um pequeno distrito no centro-oeste do estado de São Paulo. A notícia, de junho de 1993, dizia respeito a um achado em Padre Nóbrega, em Marília, o primeiro na região.
Desde então, a região tem revelado ser um dos principais potenciais fossilíferos da América do Sul: ao todo, mais de dois mil fragmentos de ossos foram descobertos na região até hoje.
Fósseis começaram a ser descobertos na região de
Marília nos anos 90 — Foto: Reprodução/TV TEM
Entre os ossos descobertos no centro-oeste paulista, a maioria pertencia a um dinossauro em específico: o Titanossauro, um animal quadrúpede, de pescoço bastante alongado e que só se alimentava de vegetais.
“Eles variavam de tamanho, entre nove e 10 metros até 20, 25 metros de comprimento, e habitavam todo o hemisfério sul. Particularmente nas regiões de Marília e Presidente Prudente (SP), temos vários registros desse tipo de dinossauro, indicando que ele pastava nesses locais e vivia em manadas”, explica William, coordenador do museu e paleontólogo responsável pelas primeiras descobertas na região.
Titanossauros, donos da maioria dos ossos encontrados
na região de Marília, tinham pescoço alongado e eram herbívoros
— Foto: Okayama University of Science/AFP
Apesar das descobertas inéditas, a cidade só conseguiu se consolidar na rota da paleontologia há 13 anos. Isso porque, em abril de 2009, Nava fez uma descoberta grandiosa enquanto vasculhava o solo de Marília: ossos do mais completo titanossauro já encontrado no Brasil.
As escavações do achado repercutiram tanto que serviram de inspiração para a novela “Morde e Assopra”, lançada em 2011 pela TV Globo. A produção conta a história de uma paleontóloga que viaja ao interior de São Paulo em busca dos animais primitivos.
“Eu estava voltando para casa e, talvez por alguma intuição, resolvi parar em um barranco de rochas para olhar o local. Foi então que eu percebi vários ossos desse dinossauro expostos. Eles já deviam estar ali, sob sol e chuva, há um bom tempo. Foi um momento de muita felicidade”, relembra o pesquisador.
Em 2015, os ossos do Titanossauro foram levados para a Universidade de Brasília (UnB) para serem comparados aos de outros dinossauros. Cerca de 70% do esqueleto do dinossauro estavam preservados: foram achadas parte do pescoço, vértebras das costas e da cauda, costelas e fragmentos do crânio, da bacia e das patas.
A ossada foi parar em um laboratório do campus de Planaltina para estudos. O grupo de pesquisadores estima que a criatura tenha pesado 10 toneladas e atingido 15 metros de comprimento.
Em 2016, ossos de crocodilo e de Titanossauro e um dente de dinossauro foram encontrados em uma área de rochas em Marília. Nava passou cerca de três meses pesquisando a existência de fósseis no local até se deparar com os vestígios, datados de aproximadamente 65 milhões de anos. As três peças encontradas pelo paleontólogo foram retiradas de um barranco de cerca de 20 metros de altura.
Fragmentos de ossos entre as rochas descobertos
em 2016 — Foto: Reprodução/TV TEM
Descobertas em rodovias
No ano passado, fósseis de Titanossauro foram descobertos durante obras em rodovias da região em três ocasiões. O primeiro deles foi encontrado em julho, nas obras de duplicação da Rodovia Leonor Mendes de Barros (SP-333), entre Marília e Júlio Mesquita. O material se tratava de um fêmur, com cerca de 1,5 m, localizado a poucos centímetros da lateral de um talude.
Em setembro, escavações às margens da Rodovia Rachid Rayes (SP-333), em Marília, deram de cara com um conjunto de fósseis escondidos em um talude. Entre os vestígios, foram encontrados outro fêmur e alguns fragmentos de costelas.
Pouco menos de dois meses depois, um terceiro fêmur de Titanossauro foi encontrado na mesma rodovia. Nava acredita que o fóssil seja diferente do encontrado no local em setembro daquele ano.
“Nós pedimos para que o pessoal do maquinário nos avisasse caso encontrasse algo durante as obras. Em um dos barrancos, conseguimos identificar ossos de ao menos três Titanossauros diferentes”, diz.
Fósseis descobertos durante obras na SP-333 em setembro de 2021
— Foto: Entrevias/Museu de Paleontologia de Marília/Divulgação
Solo privilegiado
Um dos fatores que colaboram para que as descobertas aconteçam por aqui é o relevo colinoso da região de Marília. A área possui uma topografia bem acidentada, cheia de colinas – não à toa, é conhecida como Planalto de Marília.
“Por causa das serras, quando as rochas são cortadas nas obras feitas pelo homem, os sedimentos ficam expostos. Isso facilita a localização de fósseis”, explica Nava.
Além de favorecer a descoberta dos ossos, a região ainda ajuda na preservação deles. Isso porque o solo local é rico em carbonato de cálcio, uma substância muito presente nas águas de antigos rios e lagos, na longínqua era dos dinossauros.
“Pelo estudo geológico, sabe-se que a região em que Marília está localizada possuía um clima muito quente e seco. Havia muito mais evaporação do que acúmulo de água. Em pequenos rios e lagos, a água evaporava rapidamente e o carbonato de cálcio se concentrava no fundo. Se ali houvesse dinossauros mortos, os ossos eram envoltos por uma película protetora formada pela substância”, diz.
William Nava é responsável pela maioria das descobertas de
fósseis realizadas na região de Marília (SP) — Foto: Arquivo pessoal
Fonte: G1