Contrariando vídeos, PMs citam “uso moderado da força” em Paraisópolis
Em depoimento prestado à Polícia Civil, quatro policiais militares que participaram da ação na favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, durante um baile funk, afirmam, numa só narrativa, que um criminoso em uma moto atirou contra eles e que, na perseguição a esse suspeito, tiveram de usar moderadamente a força. A confusão deixou nove pessoas mortas.
Vídeos feitos por moradores de Paraisópolis, que repercutiram durante todo o domingo nas redes sociais e que está sob posse da Polícia Civil e da Corregedoria da PM, mostram policiais militares fardados agredindo jovens já rendidos. Entre as agressões, há chutes, pisoteamentos, tapas no rosto e uso indiscriminado de cassetetes.
Na ação, foram mortos jovens de 14 a 23 anos que estavam no baile funk DZ7, um dos bailes de favela mais conhecidos de São Paulo.
O QUE DIZEM OS POLICIAIS?
A reportagem teve acesso aos depoimentos dos policiais militares Antonio Marcos Cruz da Silva, Vinícius José Nahool Lima, Thiago Roger de Lima Martins Oliveira e Renan Cesar Angelo.
Todos são da Força Tática (agrupamento especial) do 16º BPM (Batalhão de Polícia Militar), que age na zona sul. Neles, uma mesma versão: estavam na operação, denominada pelo governo de São Paulo como “Pancadão” e que, ao se aproximarem de Paraisópolis, foram recebidos a tiros por um dos dois ocupantes de uma moto.
“Eles [criminosos] adentraram em um pancadão, que é um baile funk clandestino, que ocorria na via pública, e mesmo se misturando entre os frequentadores do pancadão, o indivíduo continuava efetuando disparos de arma de fogo a esmo, o que causou grande confusão entre os frequentadores do pancadão”, disse o policial Cruz da Silva.
Ainda segundo ele, essa confusão ocasionou o pisoteamento das pessoas. Ele afirmou que na tentativa de sair da favela, chamou reforço via rádio. E que, depois, retornou ao local onde viram viaturas apedrejadas.
“Havia um grande número de pessoas descontroladas, sendo necessário uso moderado da força com emprego de cassetete e munição química”. Os demais policiais disseram o mesmo.
FREQUENTADORES DÃO OUTRA VERSÃO
No entanto, a versão de testemunhas é dissonante. Frequentadores do baile negam que tenha ocorrido tiroteio e afirmam que os policiais militares entraram na favela com o objetivo de fazer a dispersão pelo barulho, não porque havia criminosos fugindo em meio aos jovens.
Frequentadores disseram, também, que os PMs afunilaram os jovens em vielas e que houve espancamentos a esmo provocados por policiais. As informações são investigadas pela Corregedoria da PM e pela Polícia Civil.
COMANDO PRECISA SER RESPONSABILIZADO, DIZ PROFESSOR
Rafael Alcadipani, professor de Gestão Pública na FGV (Fundação Getúlio Vargas) e pesquisador de ações da polícia paulista afirma que as gravações que vieram a público “mostram um uso desproporcional de força, com policiais não seguindo procedimentos e protocolos que deveriam ser seguidos nesse tipo de situação”.
“Não só os policiais, mas os comandos também precisam ser responsabilizados por essa ação, para que esse tipo de atitude não volte a ocorrer”, complementou.
O QUE DIZ O ESTADO
A reportagem pediu entrevista ao corregedor da PM, coronel Marcelino Fernandes, que não atendeu ao pedido até esta publicação, e ao comandante-geral da PM, coronel Marcelo Vieira Salles, que informou que todas as informações estarão concentradas na assessoria de imprensa da corporação.
Ontem, o porta-voz da PM, tenente-coronel Emerson Massera, defendeu a ação policial, apesar dos vídeos. “A atuação dos PMs foi de proteção aos policiais”, afirmou.
O porta-voz da PM também disse ser “difícil analisar” neste primeiro momento “se o procedimento foi correto” e que a atuação da PM “deve ser preventiva” em casos como esse.
Massera ainda afirmou que, com base nos primeiros relatos, a utilização das balas de borracha foi “razoável” e que “possivelmente foi aplicada de forma correta”, mas que tudo será investigado.
Sobre os vídeos que mostram as agressões, ele disse que “algumas imagens nos sugerem abuso, ação desproporcional”. “Evidentemente, o rigor vai responsabilizar quem cometeu algum excesso, algum abuso”, afirmou.
Pela Polícia Civil, a reportagem fez questionamento à delegada Roberta Maransaldi, titular do 89º DP (Distrito Policial), no Portal do Morumbi, onde o caso foi registrado, mas ela informou que “as informações serão transmitidas pela Secretaria da Segurança Pública”.
A pasta ou o secretário, general João Camilo de Pires Campos, não se manifestaram diretamente sobre o assunto até esta publicação.
O delegado plantonista que atendeu a ocorrência ontem, Emiliano Chaves Neto, não atendeu a reportagem hoje. Ontem, em entrevista coletiva, ele afirmou que a favela é dominada por traficantes, classificou as mortes como fatalidades e que, em princípio, não houve excesso dos policiais militares.
O procurador-geral de Justiça de SP, Gianpaolo Smanio, designou a 1ª promotora de Justiça do 1º Tribunal do Júri, Soraia Bicudo Simões, para acompanhar as investigações. Procurada pelo UOL, ela preferiu ainda não se manifestar sobre o caso.
O governador João Doria (PSDB) escreveu em seu Twitter, ontem de manhã, que lamentava as mortes dos jovens e que havia determinado investigações rigorosas sobre o caso.
No fim da tarde de ontem, Doria defendeu a polícia paulista, afirmando ser a melhor e a mais preparada do Brasil, durante um evento do PSDB no Rio de Janeiro. Fonte: Uol