Designer brasileira liderou projeto de reformulação de embalagens da Coca-Cola
Por trás das novas embalagens da Coca-Cola tem a mão de uma brasileira. A designer carioca Cristina Grether é diretora global de capacitação em design da gigante de bebidas e coube a ela liderar a maior transformação em ao menos duas décadas no visual do refrigerante mais famoso do mundo, dentro da nova estratégia de marca única.
Apresentada oficialmente no Brasil nesta semana, a nova embalagem passa a ter o vermelho como cor predominante em todas as versões da família Coca-Cola, seguindo a nova estratégia global de “marca única” e de enfatizar as opções com menos ou zero açúcar.
Formada pela PUC-RJ, com passagens em escritórios de design gráfico em Nova York e Londres, Cristina entrou na Coca-Cola em 2011 e, em 2015, foi promovida para a sede internacional da empresa, em Atlanta, para coordenar todo o trabalho de agências e equipes internas nos projetos de reformulação de embalagens e comunicação visual e também com a missão de disseminar na companhia a cultura do chamado Design Thinking – conjunto de técnicas para superar obstáculos e resolver problemas como nas pessoas.
Até se chegar ao visual final das novas embalagens, foram 18 meses de processo criativo, em parceria com 6 escritórios de design pelo mundo (BVD e SDL, de Estocolmo; Tátil, do Rio de Janeiro; Moniker, de San Francisco; Hey Estúdio, de Barcelona; e United Design, em São Francisco). A mudança chegou este mês nas prateleiras do Brasil depois de estrear em 14 países.
Em entrevista ao G1 por telefone do seu escrittório em Atlanta, a executiva de 42 anos, casada e mãe de uma menina de 6 anos explica o conceito que pautou a unificação das embalagens de todas as versões de Coca-Cola, conta a sua trajetória dentro da empresa e fala da importância do design não só para os consumidores como também para simplificar a resolução de problemas de diferentes áreas dentro da empresa.
Qual foi exatamente o seu papel dentro do processo de reformulação das embalagens de Coca-Cola?
Cristina Grether: Eu coliderei esse projeto com o meu chefe, James Sommerville, vice-presidente Global de Design. Trabalhamos com um time interno multidisciplinar de umas 10 pessoas em parceria com 6 agências de design pelo mundo. Não dá para dizer que tem um dono, foi muita gente envolvida. Quando eu cheguei em Atlanta, a estratégia já estava definida e a empresa estava colhendo os aprendizados dos primeiros protótipos e insights.
Como foi o processo criativo e o método de trabalho até a escolha do novo visual?
Cristina Grether: Acho que foram milhares de esquetes, desenhos e protótipos de tentativas e erros. A gente nunca faz nada só no computador, só com desenhos. A gente gosta de ouvir os consumidores, sentar no banco da praça e ficar observando o comportamento das pessoas. A premissa principal era que todas as embalagens ficassem mais vermelhas e um dos insights foi que seria interessante que o vermelho não ficasse de cima para baixo e sim de baixo para cima, por conta de como ele aparece na gôndola e como é mais fácil para os consumidores acharem a sua versão. Mas não começamos com o disco vermelho. Tentamos primeiro vermelho no pescoço, na diagonal, até se tocar que o círculo, o “red disc” da Coca-Cola, funcionaria super bem para construir esse sistema de embalagens.
Há anos que a Coca-Cola não fazia uma transformação tão grande em suas embalagens. Fale um pouco sobre a premissa de traduzir em embalagem a nova estratégia de marca única.
Cristina Grether: Há pelos menos uns 20 anos não se viu uma mudança tão grande assim. A Coca-Cola tem um marketing fortíssimo e o acabou acontecendo foi que foram construídas marcas tão fortes que viraram quase que competidoras entre si. Não se trata de uma mudança só de design gráfico, é uma mudança de visão. Agora não existe mais submarca ou marcas primas da Coca-Cola. A palavra zero, por exemplo, que aparecia no logotipo em um tamanho bem grande, agora aparece só no pescoço da lata.
Não se trata de uma mudança só de design gráfico, é uma mudança de visão. Agora não existe mais submarca ou marcas primas da Coca-Cola
Agora o logotipo da Coca-Cola aparece deitado nas latas e sem a tradicional onda embaixo, explique o conceito por trás desta escolha?
Cristina Grether: Tínhamos de criar um sistema já pensando nas centenas de diferentes tamanhos e formatos de embalagens partindo do “red disc”. A partir daí experimentamos manter a logo na vertical como era antigamente, mas assim que viramos para experimentar notamos que ela aparecia com muito mais clareza. Para reforçar que essa é uma marca única, unificamos a presença do script na cor branca para todas as embalagens. Éramos apaixonados pela onda da Coca-Cola, mas curiosamente acabava que não funcionava tão bem, porque dependendo do formato da embalagem a onda distorcia. Acabamos que resolvemos dois problemas em um só.
Tem data de validade uma reformulação dessa magnitude?
Cristina Grether: Estamos agora num processo de implementação nos 207 países em que a Coca-Cola existe. Temos uma fila de países que a gente está ajudando a transformar todas as embalagens e pontos de contato. Essa fase vai levar de 1 a 2 anos e vamos observar inclusive oportunidades de melhorias, porque nada é perfeito nunca, está sempre em constante mudança. E depois disso, o nosso próximo passo é aumentar cada vez mais a vermelhidão da marca. Então as embalagens da Coca-Cola vão ficar ainda mais vermelhas, deixando o mínimo necessário da cor das versões.
Nada é perfeito nunca, está sempre em constante mudança. O nosso próximo passo é aumentar cada vez a vermelhidão da marca.
E como você chegou até esse cargo? Fale um pouco sobre a sua trajetória dentro da Coca-Cola.
Cristina Grether: Sou designer gráfica e até então sempre tinha trabalhado somente em escritórios de design. Fiz mestrado em Nova York, voltei para o Rio, fui para Londres e, em 2011, surgiu uma oportunidade de ouro: uma vaga para abrira área de design na Coca-Cola Brasil, que ainda não existia. Fiquei 4 anos no Brasil. Fizemos a mudança das embalagens de i9, a linha nova de garrafas de água Crystal e desenvolvemos toda a identidade visual de Coca-Cola para Copa do Mundo e Olimpíada. O projeto que me levou para Atlanta foi a criação de uma iniciativa de capacitação em design. Formamos um grupo de pessoas de outras áreas e durante um ano treinamentos esse time para trabalhar com design em suas áreas e disseminar a cultura dentro da Coca-Cola no planeta.
E qual é a contribuição que o design pode dar para as diferentes áreas de uma empresa?
Cristina Grether: O meu papel como diretora global de capacitação em design é mostrar que o design pode ajudar o trabalho de qualquer pessoa, de qualquer área, ser mais ágil e mais assertivo. Eu acredito que o design pode mudar o mundo e facilitar a vida de qualquer um. Fazer com que dentro da empresa se chegue a briefings, a resoluções muito bem definidas sobre os problemas que temos que atacar, quase como se coubesse num tuíte, de 180 caracteres. Uma coisa muito recorrente é debater ideias sem nunca chegar a uma conclusão. No processo de design thinking, uma etapa muito importante é ir para rua e para os pontos de venda observar e conversar com as pessoas, e realmente observar se o problema é realmente aquele e se elas realmente precisam daquilo antes de começar a ter a ideias.
O meu papel como diretora global de capacitação em design é mostrar que o design pode ajudar o trabalho de qualquer pessoa, de qualquer área, ser mais ágil e mais assertivo. Eu acredito que o design pode mudar o mundo
E quais são os seus próximos projetos dentro da Coca-Cola?
Cristina Grether: Está tudo sempre na fila. Já colocamos em alguns mercados da Europa a nova identidade de Fanta, estamos redesenhando Powerade, tem Sprite. Mas meu grande projeto é disseminar a cultura do design dentro da empresa. Já temos 12 países que concordaram e vamos sair pelo mundo treinando associados com a prática do dDesign Thinking em 2017.
O fato de você ser brasileira reflete de alguma maneira no seu trabalho ou te proporciona algum diferencial?
Cristina Grether: Tendo trabalhado em Londres e Estados Unidos, posso dizer que quando a gente chega a nossa personalidade já é um diferencial, independente de estilo. O jeito de lidar com as pessoas e com o problema é sempre um diferencial. Para gente não tem tempo ruim. Essa é uma coisa que chama a atenção e a gente recebe elogio e reconhecimento por onde vai. Outra coisa é a antropofagia da criatividade. O Brasil é um país novo, a gente recebe tudo das outras culturas, digere e expele de uma maneira melhor. Então tem muito dessa criatividade aguçada e rápida, sem muito tempo de errar. Uma terceira coisa que é o máximo são as nossas cores. Todo o projeto que eu trabalho, alguém me fala: ‘Nossa, você fez uma coisa muito colorida’. E eu penso: ‘Gente, é só vermelho e rosa’.