Dilma!
São Paulo. O menino que brincava perto do viaduto chegou correndo gritando para a mãe acolher o seu desespero, o irmão tinha escorregado do meio fio e o motoqueiro apressado não o enxergou. Ele voou como aquela folha seca do outono que acabara de começar. À tarde, o menino mais velho chorava em cima do caixão branco e pequeno. Era mais uma marca da vida no sorriso de Dilma, aquela mãe de família desempregada, atarefada, triste: o retrato do país.
Paris. Por lá desembarcavam do voo fretado as malas pesadas da mulher de vermelho. As estrelas bordadas em todas as suas toalhas e pertences denunciavam o fanatismo pela vaidade. Ostentava o gozo pelo poder. Sorria até para a janela fechada de sua liberdade inexistente. A capital francesa era a última a ser visitada. No outro dia, Dilma, a presidenta, retornaria a seu país de origem.
São Paulo. Foi difícil criar dois filhos sozinha. Seu marido era um alcoólatra. Ela era espancada dia e noite e gritava por segurança para ninguém ouvir. Passou tempos tentando esconder as marcas das surras dos filhos pequenos, um de sete e outro de 10 anos. A notícia de que o marido havia morrido numa briga de bar, ao mesmo tempo que aliviou seu sofrimento diário, trouxe um novo desafio para o resto dos dias.
Paris. Escalas em viagens internacionais sem compromissos oficiais e, em alguns casos, até com passeios turísticos custaram mais de R$ 400 mil aos cofres públicos. Ela não pagou nada. Apenas tinha o trabalho de rir aqui e ali, apertar a mão desse ou daquele e perguntar o que devia ser feito a um amigo do Brasil. Ser diplomática… O passeio acabou.
São Paulo. Desempregada, viúva, com medo do mundo. O filho que morreu no viaduto trouxe uma amargura sem fim a seus sentimentos. Ela estava de cara para o nada e tudo o que queria era ir embora deste projeto de existência. O filho, agora único, dormia para passar a fome. O arroz e o fubá acabaram. O bolsa família veio menos do que na última eleição. Recebia R$70 mensais por pessoa – a quantia exata que o programa federal oferece. Um cenário de extrema pobreza. Dilma estava, como todos os seus vizinhos, estagnada no benefício e dependente do Estado. Era sua única alternativa.
Brasília. Em Brasília fazia sol. Era um dia comum – protestos, gritaria, baderneira, preocupações – e Dilma, a presidenta, lia no jornal mais uma notícia que falava sobre seu afastamento do trono, outra matéria dizia sobre a roubalheira da Petrobras e mais uma na página três falava sobre as taxas de pobreza, desemprego e analfabetismo do país. Cansou. Leu o horóscopo. Ao passar pelas páginas policiais viu a nota que falava do menino de sete anos, atropelado, morto e esquecido no viaduto. Algo deveria ser feito naquele lugar, pensou.
São Paulo. Dois cômodos separavam a realidade de sua morada. Havia pensado há dias atrás em dar fim a tudo aquilo. Arrumou uma caixa de fósforo e na cortina velha e desbotada ateou fogo em sua casa e em seus sentimentos tristes, confusos. O fogo não se alastrou. Uma lástima de vida que se apoderava da rotina imposta por esse mundo maldito.
Brasília. Do gabinete ela ligou para seu amigo conselheiro e suplicou ajuda: “não aguento mais”. Queria abrir a janela. Era hora de sair, pedir desculpas, dizer que errou. Era hora de pagar por isso. Mas, tudo não passou de uma conversa com seu ego, já abalado pelas notícias do jornal. Mais tarde, para microfones e holofotes, disse com todas as letras de sua incompetente índole de rainha: “não há motivos que me façam sair daqui”. Voltou a seu submundo triste, medroso, arrependido e covarde.
São Paulo. Ouviu no rádio, na frequência costumeira, às sete da noite, a voz da presidenta contrariar toda a sua história e garantir o bolsa família no fim do mês. Pensava com suas aflições: Eu sou apenas uma consequência. Eu sou um país inteiro. Eu sou o teu espelho, minha xará!
Kallil Dib – jornalista
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