Enquanto a cidade dorme
Lá fora, entre os galhos secos de uma árvore velha e entre os gestos hipócritas de uma cidade quieta e infeliz, um homem sobrevive andando pelas ruas escuras, becos e calçadas estreitas. Chutando pedras e amassando flores, poetizando as suas decepções, procurando um bom motivo para começar a sua vida, assim que o dia nascer.
Ele não é capaz de fechar os olhos e apagar a luz de seu quarto, como todas as noites as pessoas normais fazem. Aquele nobre rapaz não tem quarto, e nem luz. Ele não fecha os olhos, com medo de deixar passar a oportunidade de sua vida. Quem sabe, numa dessas esquinas ele não encontra o fim do túnel? Acontece que ele já foi feliz e já adormeceu no aconchego de um abraço. Abraço apertado que se desfez.
Era tão contente que jamais imaginou que a sua grande e plena felicidade deixaria a sua vida. E mesmo com os olhos vidrados em um mundo desonesto, que consumia as suas vontades dia e noite, ele ainda pensava em presentear a sua alma com sorrisos, em vão.
Ele era grande, um enorme e formidável Senhor dos negócios. E vivia em sua vida ofertando mansões e aquisições ao seu ego. Se gabava, esbanjando seus bens da moda por toda a cidade pobre. Tinha ao seu lado pessoas bonitas por fora e pobres de alma, que sumiram do dia pra noite, depois que tudo adormeceu.
E o rapaz perdeu o que tinha, e ficou apenas com sua alma lavada, depois de viver apenas no consumo e esquecer o quão bom é viver em sentimentos. Arrependeu-se. E se partiu ao meio. Encontrou um tal de “sentimento bom” nos olhos de uma amada. Os olhos dela: eram jabuticabas, que o devoravam durante intermináveis segundos.
A noite caiu. Os olhos se abriram. O sentimento bom acordou daquele sonho. Sua vida se desfez. E por um segundo ele ouviu a voz da razão:
– Calma rapaz, calma. Não tente ignorar o mundo inteiro com o teu sorriso que não tem alento. Não tente me dizer para seguir os teus passos, sabendo que nem mesmo você sabe para onde eles vão te levar.
E enquanto a cidade dorme, ele continua procurando a luz no fim do túnel, ou um sentimento bom, capaz de deixar essa esquina da vida se perder por aí.
Kallil Dib
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