Erro foi o tiro acidental, diz comando da PM sobre morte de jovem

 

O comando da Polícia Militar de Ourinhos (SP) respondeu aos questionamentos sobre pontos controversos da abordagem policial que terminou com a morte de um jovem de 22 anos no último dia 9 de junho. O policial que fez o disparo chegou a ser preso em flagrante por homicídio culposo, quando não há intenção de matar, mas foi liberado até o final das investigações.

A defesa dele alega que o tiro foi acidental, no entanto, o inquérito da Polícia Civil, que ainda não foi concluído, aponta que ele assumiu o risco de matar ao abordar Bryan Bueno, que estava dentro de um carro, com a arma em punho e pediu a prisão temporária dele, que foi negada pela Justiça. Imagens da abordagem foram registradas pelo circuito de segurança de uma oficina mecânica que fica próxima, as câmeras registraram toda a abordagem desde que o carro foi parado até o jovem ser levado pelo Samu. Bryan levou um tiro no pescoço e morreu antes de chegar ao hospital.

A tenente coronel da PM, Cenise Araújo Calanans, reforçou a defesa do policial de que o tiro foi acidental e que esse foi o único erro na abordagem. “O policial com o armamento é a abordagem policial correta, é o que preconiza os procedimentos da Polícia Militar. No entanto, com o cano da arma apontado para baixo. O que deu errado na abordagem é o que o policial nos declarou na data dos fatos, de que o recuo do corpo dele em virtude de alguma reação da vítima durante a abordagem, quando eles pediam para que eles saíssem do carro para revista, teria propiciado para que o cano do armamento ficasse virado para cima e por algum motivo a arma disparou atingindo a vítima”, afirma.

No entanto, uma equipe do Samu registrou um boletim de ocorrência e alega que foi ameaçada pelos policiais para socorrer o jovem. Esse fato foi anexado ao inquérito policial e também é apurado pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, o Condepe. Mas, a comandante da PM nega esse fato. “Não houve quaisquer ameaça a esses socorristas, esses médicos e enfermeiros, o que houve foi um pedido de socorro diante daquela vitima que sangrava muito.”

Sobre a arma que ainda não foi entregue para uma perícia mais detalhada, a comandante informou que a perícia foi feita no dia do acontecido, assim como o carro, que só foi lavado após os peritos liberarem o veículo. “O veículo estava bastante ensanguentado, então eu determinei que ele fosse lavado para que os jovens pudessem ir embora com o mínimo de conforto. Mas quero deixar claro que só fiz isso após o veículo ser devidamente liberado pela perícia. Já o armamento assim que recebemos enviamos para a perícia local”, completa.

Vítima de 22 anos foi baleada ao esboçar reação (Foto: TV TEM/Reprodução)Bryan foi morto com um tiro no pescoço (Foto: TV TEM/Reprodução)

As investigações apontam ainda que uma suposta tentativa dos policiais de alterar as imagens. No entanto, a tenente coronel afirma que a PM apenas pediu uma cópia das imagens ao dono da oficina. “O que eu acredito que está causando essa dúvida se nós apagamos ou não apagamos seja a incapacidade técnica de outras pessoas de extraírem esse material do equipamento, mas não apagamos nada, as imagens estão lá.”

A Polícia Civil confirmou que o carro e a arma passaram pela perícia e que o laudo está no inquérito. O delegado responsável pelo caso disse ainda que pediu a arma para fazer uma perícia mais detalhada.

Imagens da abordagem

A produção a TV TEM teve acesso ao vídeo que  mostra a abordagem policial. As imagens foram cedidas pelo Conselho Estadual de Defesa Humana (Condeph) que também apura o caso (veja as imagens acima).

A Polícia Civil só teve acesso às imagens na semana passada. O vídeo do circuito de segurança de um estabelecimento comercial próximo estava em posse da Polícia Militar e só foram enviadas ao delegado após ele enviar um requerimento à Justiça. A gravação que a TV TEMteve acesso começa às 2h30.

O local está movimentado por causa de uma feira de exposições que era realizada na época. Quatro minutos depois, uma ambulância do Samu passa com o giroflex ligado e segue em direção ao recinto onde é realizado o evento, possivelmente para fazer um atendimento. Às 2h36, o policial que fez o disparo contra Bryan aparece subindo a avenida em que os fatos ocorreram.

Um minuto depois, outro policial para o carro onde estava Bryan e quatro amigos. O primeiro policial que subiu a rua reaparece, se aproxima do carro já tirando a arma da cintura e parece fazer gestos de ameaça aos jovens e logo dispara. É tudo muito rápido. Logo em seguida os quatro ocupantes do carro saem do veículo, pelo lado do motorista. Os policiais também se afastam do carro e logo muita gente começa a se aproximar para ver o que acontecido.

Às 2h40, o vídeo mostra que os policiais param a ambulância do Samu que minutos antes tinha passado pelo local. É possível ver que eles pedem o atendimento, um dos PMs chega até abrir a porta da ambulância. As imagens mostram ainda que o jovem teve uma parada cardiorrespiratória, porque os médicos iniciam a massagem cardíaca e durante 12 minutos os médicos tentam reanimar o jovem até que ele é levado para a ambulância. Bryan chegou a ser levado para o hospital, mas já chegou ao local morto.

Vídeo mostra a ação dos policiais que resultou na morte do jovem (Foto: Reprodução / TV TEM)Vídeo mostra a ação dos policiais que resultou na morte do jovem (Foto: Reprodução / TV TEM)

As imagens foram anexadas ao inquérito que investiga o caso. A Polícia Civil também apura a informação de que policiais tentaram apagar as imagens gravadas pelas câmeras, e ainda teriam ameaçado os socorristas da ambulância. O soldado chegou a ser preso em flagrante, mas depois foi solto para responder aos inquéritos em liberdade.  A Polícia Militar alega que o tiro foi acidental, mas abriu um processo na Corregedoria para apurar a conduta do policial no âmbito administrativo.

“Nós analisamos as imagens no dia mesmo do ocorrido e constatamos que tudo o que os policiais disseram que ocorreu naquele dia e também as testemunhas, vendo as imagens foi possível ver que tinha verdade no que disseram. A Polícia Civil foi acionada assim que os fatos ocorreram e o aviso ao delegado plantonista consta inclusive do BO da PM inicial”, afirma a comandante da PM, Cenize Araújo Calasane.

No entanto, o relatório sobre o caso elaborado pela Delegacia de Investigações Gerais (DIG)de Ourinhos aponta que o soldado assumiu o risco de matar o jovem. “O delito, em tese, praticado pelo policial militar (…) é doloso. Se não direto ao mesmo na sua forma eventual, segundo o entendimento destes signatários”, informa trecho do inquérito da DIG.

“Fica claro que o policial militar (…) quando efetuou a abordagem segurando a camisa da vítima Bryan Cristian Bueno da Silva com uma das mãos e apontando a arma de fogo, tipo pistola, com a outra, para o peito do jovem, no mínimo assumiu o risco de produzir o resultado morte ao dispará-la”, continua o documento da Polícia Civil.

Ainda de acordo com o delegado da DIG, a arma usada pelo policial não foi entregue para a perícia. “A arma deveria ter sido submetida a um exame complementar para poder averiguar se ela apresentava alguma falha que poderias acionar o disparo sem o acionamento do gatilho e a polícia não tem a arma para fazer esse exame. Não descartamos a possibilidade de pedir judicialmente a entrega dessa arma”.

E diante de todos esses fatos, que indicam uma ação da PM de atrapalhar as investigações, o delegado afirma que foi avaliada a necessidade da prisão temporária. “O que levou ao pedido de prisão não é apenas as imagens , o que nos levou ao convencimento da necessidade da prisão temporária é o conjunto de tudo que está nos autos e fazem parte das investigações”, completa.

 Entenda o caso

Brian morreu baleado durante uma abordagem da Polícia Militar, na madrugada de quinta-feira (9). Segundo informações da Polícia Militar, o carro andava em zigue-zague e um dos meninos teria derrubado alguns cones de sinalização.

Dois policiais pediram para que o carro parasse. Bryan estava no banco da frente, do lado do motorista, e levou o tiro de um dos policiais. “O policial não declara que fez o acionamento desse gatilho. Ele declara um recuo diante desse esboço de reação da vítima. E nesse recuo que ele fez, com esse passo para trás, que ele teria dado esse disparo”, explica a comandante do Batalhão da Policia Militar de Ourinhos, Cenize Araújo Calasane.

O jovem, que morava em Santa Cruz do Rio Pardo, foi atingido no pescoço. Ele foi socorrido pelo Samu, mas chegou já sem vida na Santa Casa.

Marcas do tiros ainda estão no carro (Foto: Reprodução / TV TEM)Marcas do tiros ainda estão no carro (Foto: Reprodução / TV TEM)

Sem reação
Um dos amigos do jovem, que estava no carro, contou que eles não tiveram tempo de sair do carro. “O Bryan estava no banco da frente e ele fez uma brincadeira, colocou a mão para fora do carro e pegou um dos cones. Um dos policiais que estava ali na frente viu e deu sinal de luz para que a gente parasse. Nós paramos certinho, não tivemos nenhuma reação. Aí um dos policiais veio em uma das janelas e outro, que estava mais exaltado, foi na outra janela e ele já veio com a arma apontada, pegou no colarinho da camisa do Bryan e mandou ele sair do carro e nisso atirou. Nós só descemos do carro depois que ele atirou, quando pediram para parar. Não deu nem tempo de fazer nada, não fizemos nada, foi coisa de segundos”, afirma o estudante Wesley Moraes, amigo da vítima.

Ainda segundo o jovem, Bryan não teve nenhuma reação. “Não deu tempo dele fazer nada. Como o policial chegou, pegou no colarinho dele e já atirou e ele já abaixou a cabeça”, completa.

Mãe de Bryan falou sobre a morte dele em reunião em SP (Foto: Imagens cedidas/ Condepe)

A mãe do jovem também confirmou a versão dos amigos de Brian em depoimento dado em uma reunião na ouvidoria das polícias em São Paulo. Valdinéia Pontes foi ouvida pelo representante da ouvidoria no dia 14 de junho. Ainda muito abalada, ela pediu justiça. “Para mim foi um assassinato, uma execução, por isso eu quero a ação da promotoria, do júri, para que esse caso seja julgado como um homicídio doloso e não culposo. Porque ele teve a intenção de matar o meu filho”, afirma a mãe.

Ainda de acordo com ela, os amigos contaram que Bryan não teve nenhuma reação e que foi tudo muito rápido. “O policial chegou pelo lado do Bryan e pegou ele pelo colarinho da blusa e com a arma na outra mão, mas os meninos disseram que foi tão rápido que ele (o policial) já chegou e atirou. O tiro passou pelo pescoço do meu filho, perfurou o coração dele e pulmão e atingiu o banco do menino que dirigia o carro, quase atingiu ele também. Ele (Bryan) num teve tempo nem de tirar o cinto, o tiro passou pelo cinto. Ele num teve nenhuma reação”, afirma. Fonte G1