MEU AMOR DE PAI
Fico quieto para não acordá-la. Já são tantas horas que nem sei, perdi o tempo. Minhas costas doem, mas não ligo. Faz frio, puxo o pequeno cobertor rosa para cima, acho que agora ela está confortável.
Ameaça abrir os olhos. E quando eles abrem vigiam todo lado: mais parecem duas jabuticabas perdidas tentando encontrar o pé de onde caíram ou uma mão acolhedora. Os olhos dela se abrem e junto com eles essa boca pequena, que já faz um bico danado quando não está satisfeita. A mesma boca que não fecha direito porque as bochechas não deixam, e o mesmo bico que devora o alimento que a faz crescer longe de toda a sujeira dos supermercados.
Se espreguiçou. Jogou os braços curtos para cima e mostrou as mãos tão pequenas que parecem de mentira. As mãos esfriam rapidamente, é melhor pôr as luvas. Esticou suas perninhas com dobras em toda parte e levantou os dedinhos de seus pés ainda sem número, relaxando seu esbelto corpo de 49 centímetros.
Eu ainda estou aqui. Dou risada com o seu sorriso que aparece quando ela encontra os anjinhos nos seus sonhos inocentes e fico me perguntando o que posso fazer para preservar essa alegria em seu rosto durante toda a vida.
O vento bate na janela. Puxo o cobertor ainda mais para cima e a protejo de qualquer vento gelado que possa atormentá-la. Começo a cantar em voz baixa cantigas de ninar que aprendi com minha bisavó e acaricio calmamente seus cabelos pretos com cheiro suave.
Eu a amo. Se é que simplesmente a palavra amor pode definir o que eu quero gritar ao mundo.
Já fiz dezenas de planos em meu coração e em todos eles tenho a felicidade dela como um aconchego de que fiz a coisa certa. Em meus planos, idealizados agora, enquanto a vejo descansar em seu berço de ouro, a presentearei com o amor que ela me ensinou a encontrar e que me retribui com uma boa dose todo santo dia.
Não vou prometer a ela a riqueza material que envergonha este mundo. Mas darei, enquanto eu ainda respirar, sementes de amor, amizade e respeito, para que ela cultive e semeie nos jardins da sua vida.
Eu ainda estou aqui. Sentado, desconfortável, analisando de perto esse desenho de Deus e confirmando com meus próprios olhos que ela está, sim, respirando. E, então, poderei dormir tranquilo… até que ela acorde, daqui a alguns minutos.
Kallil Dib