Produzido com grãos extraídos de fezes de ave, café do Jacu está entre os mais caros do mundo
Teria coragem de provar um café produzido a partir das sementes de fezes de um animal? Não, você não leu errado. É isso mesmo! O café do Jacu — uma ave nativa da Mata Atlântica e ameaçada de extinção — é considerado o mais caro do Brasil e está entre os mais caros do mundo.
O g1 conversou com Adriana Novais Martins, pesquisadora da APTA Regional de Marília (SP), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, para explicar tudo sobre essa variedade de café, que vale quase R$ 1 mil o quilo, de acordo com a Fazenda Camocim, uma das principais produtoras do Café do Jacu no país.
Originário das lavouras do Espírito Santo, o processo de produção do café do Jacu surgiu de uma relação “conturbada”. Os produtores notaram que os pássaros “invadiam” as plantações e se alimentavam dos frutos de café, causando um prejuízo considerável.
Café do Jacu é produzido a partir dos grãos expelidos nas fezes da ave
— Foto: Villa Café/Reprodução
“Eles começaram a perceber que algumas dessas aves causavam uma perda de dez a 15% da produção, porque elas iam no cafezal quando os frutos estavam maduros pra se alimentar. Então, esses produtores procuraram tentar entender como eles poderiam conviver com essa ave e aproveitar algo de positivo do que estava acontecendo”, explica Adriana.
A pesquisadora afirma que a “descoberta” do processo de produção foi altamente influenciada por um outro café, mundialmente conhecido graças a um filme.
Se você já assistiu o longa-metragem “Antes de Partir”, com Jack Nicholson e Morgan Freeman, provavelmente vai se lembrar de uma cena em que tomam uma xícara do Kopi Luwak, “a bebida mais rara do mundo”.
Café mais caro do mundo, o Kopi Luwak,se popularizou
após aparecer em uma cena do filme “Antes de Partir”
— Foto: Reprodução/Warner Bros. Pictures
O Kopi Luwak é, de fato, uma das bebidas mais raras do mundo e foi eleito o café mais caro do mundo também, custando cerca de R$ 6,6 mil o quilo, de acordo com um levantamento da International Coffee Organization. E acredite: ele é produzido a partir das sementes no cocô.
Grãos de café expelidos nas fezes do Civeta são utilizados
na produção de uma das bebidas mais caras do mundo — Foto: Divulgação
E o cocô da vez é o do Civeta, um mamífero de pequeno porte nativo da região das ilhas de Sumatra, de acordo com a revista Animal Business Brasil, que é editada e publicada pela Sociedade Nacional de Agricultura.
Assim como o Jacu, ele se alimenta dos frutos mais doces, maduros e avermelhados do café. Essa parte é digerida, com exceção dos grãos, que são eliminados junto às suas fezes.
“É muito parecido com o Jacu. Eles utilizam a casca e a polpa do fruto na alimentação, e o grão é expelido intacto pelas fezes. Esse processo de digestão, o tráfego no trato digestório, confere ao café características únicas, e de altíssima qualidade”, afirma a pesquisadora.
Uma relação amigável
A relação, que antes era conturbada, passou a se tornar cada vez mais amigável. O processo de produção do café do Jacu foi tomando forma e, ao mesmo tempo, beneficiando a própria natureza.
Vale ressaltar que o Jacu é uma ave ameaçada de extinção e está caracterizada como vulnerável na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas, da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN).
Por isso, não pode ser aprisionada, criada em cativeiro e nem caçada, como descrito na portaria n. 443 do Ministério do Meio Ambiente, divulgada no site do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Jacu é uma ave de cor verde-bronze bem escura, com o dorso,
pescoço e peito estriados em branco; pernas anegradas.
A fêmea possui a íris castanha e o macho, vermelha.
— Foto: Isede Bianchi Calvani/Arquivo Pessoal
De acordo com Giulia B. D’Angelo, bióloga, mestre e doutora em biologia animal, com experiência em História Natural de Aves, o Jacu é considerado uma ave grande, medindo de 68 a 75 cm e pesando cerca de 1kg. Também é um importante dispersor de sementes, ou seja, contribui para a regeneração das florestas.
“Apesar disso, o desmatamento e a caça indiscriminada vêm reduzindo as populações dessa ave. Onde não é perseguido, chega a frequentar parques, chácaras e jardins de residências urbanas, em busca de frutos. Seus preferidos são os frutos de araçá, de palmito-jussara e de café”, complementa.
Por isso, a produção do café criou uma relação de coexistência entre os cafeicultores e o Jacu, já que o animal contribui positivamente na vida dessas pessoas.
“A produção do café tem uma característica muito grande de sustentabilidade ambiental. A presença do Jacu significa que a região é ambientalmente saudável, já que ele só habita locais onde a natureza é preservada. Ou seja, uma ave que, inicialmente, foi considerada uma praga, hoje se tornou aliada. Foi possível estabelecer um sistema de coabitação entre homem e animal”, explica.
Por que tão caro?
Xícara de café — Foto: Divulgação
Não é à toa que o café do Jacu ocupa o lugar de mais caro do Brasil, e marca presença no mesmo ranking mundial, atrás do Kopi Luwak e do Black Ivory, originário da África e que também é produzido das fezes de um animal: o elefante. O preço pode chegar a 20 ou 30 vezes mais que um café comum, que encontramos em mercados, por exemplo, de acordo com a pesquisadora.
Todas as etapas da sua produção são realizadas de forma manual, resultando em uma bebida considerada exótica. Segundo a pesquisadora, o café 100% arábica tem um sabor extremamente adocicado e acidez elevada.
“Além do processo de produção artesanal, o preço também está atrelado a uma relação de dependência da natureza. Ou seja, os produtores dependem dos pássaros irem até a linha de produção e se alimentarem dos frutos, uma vez que eles não podem ser aprisionados. A produção depende exclusivamente da vontade do Jacu”, complementa Adriana.
“É caro, mas pra aquela pessoa que gosta e aprecia um bom café, vale a pena experimentar”, finaliza. Fonte G1