Professora adota enteado e descobre autismo em criança durante a licença-maternidade
A professora de matemática, Adrieli Patrícia Garcia Barbosa, de 30 anos, decidiu que não queria ser apenas a madrasta do enteado Vinícius Antônio Garcia Barbosa, de apenas 6 anos. Adrieli entrou com pedido de adoção assim que se casou com o pai da criança e se tornou a mãe oficialmente. E foi durante o período de licença-maternidade que ela percebeu que Vinícius era autista e precisaria de cuidados especiais.
Ao G1, Adrieli contou que o marido, Diogo Mascaro Barbosa, de 25 anos, passou a criar o filho sozinho depois que ex-companheira abandonou a criança com cinco meses. Ela começou a namorar Diogo em 2016 e se casaram no ano seguinte, na cidade de Vera Cruz (SP).
Após o casamento, o desejo de oficializar a maternidade se tornou ainda mais forte, já que ela conhecia Vinícius da creche que fez estágio e tinha carinho especial por ele. Então, Adrieli e Diogo começaram a pesquisar sobre o assunto.
“Conhecemos a adoção unilateral, que era uma novidade para a gente e fiquei super empolgada. Queria muito isso, mas não tinha muita notícia sobre como funcionava. Eu também tinha acabado de me formar e não tínhamos condição de pagar um bom advogado. Então, fomos até a defensoria pública e uma advogada de lá fez tudo. Eles que nos auxiliaram”, explica Adrieli.
A entrada no processo de adoção da criança foi dada em 2018 e, após mais de um ano, a audiência foi marcada para que o juiz ouvisse as partes envolvidas e pudesse definir se a adoção seria possível. No entanto, os pais foram surpreendidos com uma decisão imediata.
“Nós entramos com o processo de adoção no meio de 2018, mas durante o processo houve a busca ativa da genitora e todos os outros prazos que o próprio processo pedia. No dia 6 de setembro de 2019 o juiz marcou audiência no fórum de Marília e a advogada me disse: ‘olha Adrieli, não vamos nos animar, porque o juiz vai apenas ouvir as partes. Não vai dar a sentença, é só uma audiência’ “.
“Contudo, na audiência foi apenas meu marido, eu e a advogada. O juiz me perguntou assim: ‘mãe, qual o nome que vai para a certidão de nascimento da criança?’. E eu respondi ‘Vinicius Antonio Garcia Barbosa’. Foi aí que ele falou ‘pode redigir a certidão’. Naquele dia, 6 de setembro de 2019, às 14h30, o Vinícius nasceu. Meu parto foi ali”
Descoberta do autismo
Adoção de Vinícius foi apoiada pela família do casal desde o início da decisão de Adrieli — Foto: Adrieli Patrícia Garcia Barbosa/ Arquivo pessoal
Adrieli conta que Vinícius sempre gostou muito de carros e sabe o nome de todos que já conheceu. Tem seletividade alimentar, precisa de um rotina, mantém algumas manias e gosta muito de círculo. Por isso o primeiro número que aprendeu a escrever foi o 8.
Mas mesmo com todos esses comportamentos, os pais ainda não sabiam que o filho era autista. A mãe começou a observar o comportamento do menino mais de perto quando recebeu o direito à licença-maternidade depois de adotar a criança e apresentar a nova certidão de nascimento de Vinícius na escola em que trabalha.
“No dia que eu peguei a nova certidão de nascimento dele nas mãos, quando ele tinha 4 anos, levei na escola e ganhei o direito à licença-maternidade do estado por 6 meses. Os professores que trabalhavam comigo até brincavam que era muito fácil ter licença de bebê grande. E, realmente, eu ficava só passeando com ele”, conta rindo.
A professora ficou durante seis meses em casa com o filho. Logo depois veio a pandemia causada pela Covid-19 e a convivência dos dois se intensificou mais ainda, já que ficaram em isolamento. Foi então que as atitudes e manias de Vinícius começaram a despertar a atenção da mãe. Ele já fazia acompanhamento com a psicóloga, mas outros questionamentos dos pais começaram a surgir.
“Eu descobri o autismo do Vinícius durante a pandemia. Ele tinha problemas de comportamento e já fazíamos acompanhamento com a psicóloga desde que ele tinha mais ou menos 1 aninho. Mas quando tive a licença e veio a pandemia, que ele ficou trancado dentro de casa comigo, foi que eu percebi que alguns comportamentos dele iam além daquilo que a gente imaginava falando com a psicóloga”, explica a mãe.
O diagnóstico do autismo veio após a mãe levar Vinícius a uma neurologista. Muitos exames foram feitos e veio a comprovação de que ele era um menino autista, o que justificou todos os comportamentos observados pela mãe.
“O Vinícius tem paixão por carro, ele conhece e decora modelos de carro e eu achava bonitinho. Mas depois a médica me explicou que isso era um comportamento autista. Um menino saber 200 nomes de carros não é normal. Ele também tem seletividade alimentar, rotina, manias, gosta de círculos e, justamente por isso, o primeiro número que ele aprendeu a escrever foi o 8”, relata.
A rotina da criança, então, mudou. Junto com o garoto, os pais também tiveram que se adaptar. Vinícius passou a ir para Marília toda semana para fazer terapia ABA (para o espectro autista) e terapia ocupacional, além das aulas de inglês e da escola online.
“O Vinícius faz inglês uma vez na semana, tem aulas online e as professoras também me ajudam fazendo acompanhamento individual. Ele também faz terapia ABA de reforço comportamental para trabalhar a socialização e terapia ocupacional para trabalhar a coordenação motora, cognitividade, a parte escolar mesmo. Nós saímos de Vera Cruz e vamos até Marília. Eu dou aulas online meio período e no outro, eu cuido dele”, conta Adrieli.
Ao pensar no futuro, a mãe fala sobre o desejo de que o menino seja um bom homem e possa viver em uma sociedade que enxergue o autismo com mais empatia.
“Só peço que Deus dê sabedoria para mim e para o Diogo, porque o autismo é uma luta por dia. A sociedade em geral devia acolher mais a gente, mas isso não acontece. Matamos um leão por dia lutando pelos direitos dele. Quero que o espectro autista seja respeitado, sem que seja preciso brigar por isso. Daqui pra frente eu quero ver o Vinicius crescer, se tornar um homem de bem, se desenvolver e aprender. Ensinar ele a ser um bom homem”, diz Adrieli.
Nesta sexta-feira, dia 18 de junho, é comemorado o Dia do Orgulho Autista. A data foi criada nos Estados Unidos em 2005 como uma forma de reconhecimento do potencial das pessoas com Transtorno do Espectro Autista. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), em todo o mundo são 70 milhões de autistas e no Brasil, são cerca de 2 milhões de pessoas com essa condição.
Como a família começou
Adrieli adotou Vinícius após se casar com seu pai em 2017 na cidade de Vera Cruz (SP). A criança tinha 4 anos — Foto: Adrieli Patrícia Garcia Barbosa/ Arquivo pessoal
Adrieli conheceu o pequeno Vinícius quando ainda estava no estágio da faculdade de pedagogia na creche São Francisco de Assis, em Vera Cruz. A avó e o pai do menino deixavam ele na creche durante o dia para que pudessem trabalhar.
Durante o trabalho, a professora já cuidava de Vinícius quando ainda nem imaginava que no futuro ele seria seu filho. Ela conta que conhecia já a mãe do marido por conta da cidade ser pequena, mas Diogo conheceu enquanto fazia o estágio na creche.
“Engraçado que no dia em que ele me pediu em namoro ele me disse: ‘você jamais vai namorar uma pessoa como eu’. E eu falei porque ele não experimentava pedir e aceitei. Eu sabia que uma coisa é você namorar um cara que paga pensão e visita o filho a cada 15 dias. E outra coisa seria namorar um pai como o Diogo.”
Depois do pedido de namoro, os passeios aos finais de semana não eram apenas do casal. Vinícius sempre estava junto com eles. Adrieli lembra que tudo o que faziam era programado para que o filho pudesse ser incluído, já que a criança ficava na creche durante toda a semana.
“Se queríamos sair, levávamos ele. Em tudo nós incluímos ele. Por exemplo, se queríamos ir ao cinema, o filme escolhido era um que o Vinícius também pudesse ver. Se a gente queria ir na praça, levava ele para brincar junto. No sábado à noite os namorados costumam sair para namorar e a gente ficava vendo filme com o Vinícius. Hoje a gente ri bastante sobre isso. Estamos acostumados a ver mulheres que criam filhos sozinhas, mas não pais”, fala a mãe.
Apoio da família
A mãe que Adrieli se tornou depois da chegada tão especial de Vinícius e a formação da sua família com Diogo também foi possível graças ao apoio da família do casal, segundo a professora.
“Eu sempre falo que maternidade é uma coisa impressionante. Eu me tornei mãe da noite para o dia. E eu adaptei toda minha rotina pra isso. A minha família me ajudou demais. Minha mãe foi excepcional comigo nesse processo. Meus pais são avós maravilhosos e meus irmãos são tios maravilhosos.”
“Minha sogra e meus cunhados também foram muito essenciais. Quando eu não estava na vida do Vinicius, eles cuidaram dele. Quando cheguei eles me deixaram ser a mãe dele. Eu acolhi o Vinícius e eles me acolheram. Eu escolhi o Vinícius. Quando eu falei do processo de adoção todos me apoiaram do começo ao fim.”
*Sob supervisão de Paola Patriarca