STF dá prazo para Tarcísio explicar lei que dá nome de coronel da ditadura a viaduto em Paraguaçu

STF dá prazo para Tarcísio explicar lei que dá nome de coronel da ditadura a viaduto em Paraguaçu

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, deu prazo de cinco dias para que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, André do Prado, expliquem sobre a lei sancionada que presta homenagem a Erasmo Dias, um dos expoentes do período da ditadura militar no Brasil (veja mais abaixo quem foi Erasmo Dias).

Coronel Erasmo Dias foi secretário da Segurança
Pública no estado de SP — Foto: ESTADÃO CONTEÚDO

O nome de Erasmo foi colocado em um viaduto da rodovia Manílio Gobbi, que fica em Paraguaçu Paulista, interior de São Paulo, após o governo sancionar em junho deste ano um projeto de lei do então deputado estadual Frederico D’Ávila (PL).

A medida foi repudiada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), já que a missão mais polêmica do militar e ex-parlamentar foi justamente o cerco aos estudantes da PUC em setembro de 1977 (veja mais abaixo).

O Centro Acadêmico 22 de Agosto da PUC entrou, então, com uma ação de inconstitucionalidade com partidos políticos, como o PDT, PT e PSOL, alegando que: “ao homenagear Antônio Erasmo Dias, um dos mais emblemáticos agentes das violações aos direitos fundamentais perpetradas durante a ditadura militar, a lei paulista prestigia as investidas das novas formas de autoritarismo”.

No pedido de informações ao governador e à Alesp, a ministra Cármen Lúcia determinou que as informações sejam requisitadas, com urgência e prioridade, a serem prestadas no prazo máximo e improrrogável de cinco dias.

Em nota à TV Globo, o governo do estado disse que o projeto de lei foi analisado do ponto de vista técnico e jurídico, nos termos da lei.

Lei sancionada

Como Tarcísio estava em um fórum jurídico em Portugal, a sanção do projeto de lei do então deputado estadual Frederico D’Ávila (PL) foi assinada pelo vice-governador Felício Ramuth (PSD) no dia 27 de junho e publicada no Diário Oficial no dia 28.

Segundo o g1 apurou, a proposta de Frederico D’Ávila para rebatizar o viaduto com o nome de Erasmo Dias foi apresentada em 29 de setembro de 2020.

A medida foi repudiada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A missão mais polêmica do militar e ex-parlamentar foi justamente o cerco aos estudantes da PUC em setembro de 1977.

Na época, Erasmo era secretário de Segurança Pública do Estado. Ele prendeu 900 alunos e os levou para o quartel da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) e para o Dops, a polícia política. A tropa de choque explodiu bombas contra os manifestantes, que pretendiam refundar a União Nacional dos Estudantes (UNE).

“É inconcebível homenagear-se um eminente fascista que durante a ditadura militar, como secretário de segurança de São Paulo, notabilizou-se pela repressão e tortura física a todos aqueles que erguiam as suas vozes contra o arbítrio. Na PUC-SP ainda são sentidos os ecos da truculenta invasão do campus Monte Alegre, em 22 de setembro de 1977, que deixou sequelas em diversos estudantes, prendendo e humilhando centenas de alunos, professores e funcionários da universidade”, diz a nota de repúdio.

“Naquele momento a PUC-SP, através de sua reitora #NadirKfouri e de toda comunidade universitária, respondeu à altura à malfadada ação. E hoje, quando expoentes da direita e do fascismo tentam reviver esses momentos, que se constituíram em uma das páginas mais infelizes de nossa história, é preciso que nossa resposta seja clara e contundente. Nenhuma homenagem a torturadores! Não ao fascismo! Ditadura nunca mais!”, ressaltou a universidade.

Em nota à reportagem do g1, em junho, o governo de SP informou que “o referido projeto de Lei, de autoria parlamentar, foi analisado do ponto de vista técnico e jurídico nos termos da Lei Nº 14.707, DE 08 DE MARÇO DE 2012. Em relação à carta da PUC, ela foi recebida nessa quarta-feira (28), às 11h28, posteriormente à promulgação da lei, e segue os trâmites para a resposta ao emissor”.

Nota de repúdio da PUC-SP foi publicada nas
redes sociais — Foto: Reprodução/Instagram

Carta ao governador

A Comissão de Defesa de Direitos Humanos D. Paulo Evaristo Arns enviou uma carta ao governador no dia 29 de junho para que a lei fosse anulada. Leia a íntegra do documento:

“A Comissão de Defesa de Direitos Humanos D. Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns, que aqui representamos, vem à presença de V. Exa. manifestar o seu repúdio à homenagem feita ao Coronel Erasmo Dias, agente da ditadura militar, responsável por graves violações a direitos e à dignidade humana.

Causa espanto que o governo paulista valide tal deferência, promulgando a Lei 17.700, em 27.07.2023, que concede a denominação “Deputado Erasmo Dias” a um trecho da Rodovia Manílio Gobbi.

Adepto do uso da truculência contra a população civil, os estudantes e os militantes da resistência ao golpe militar, Erasmo Dias, falecido em 2010, ostenta um tenebroso currículo formado a partir das suas posições de comando, quando empreendeu ações de repressão, tortura e morte nos chamados anos de chumbo.

Em 1968, como comandante da Fortaleza de Itaipu, na cidade de Praia Grande, assim atuou no encarceramento de jovens que participavam de um congresso da União Nacional dos Estudantes, em Ibiúna. Da mesma forma, em 1970, usou de violência e tortura na repressão a militantes que lutavam contra a ditadura, no Vale do Ribeira. Como secretário de Segurança do Estado de São Paulo, em 1977, coordenou a brutal invasão da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em que policiais militares agrediram e feriram dezenas de estudantes, além de rasgar livros da biblioteca da universidade.

Certos de que o estado de São Paulo não merece ter esta mácula em sua história, pedimos a V. Exa que a vergonhosa honraria seja prontamente anulada”.

Quem foi Erasmo Dias?

Antônio Erasmo Dias nasceu em Paraguaçu Paulista em 2 de junho de 1924 e morreu aos 85 anos, em São Paulo, em 2010.

Segundo a biografia divulgada no site da Alesp, Erasmo foi coronel da reserva do Exército, professor universitário, diretor da Companhia Docas de São Paulo e secretário de Estado da Segurança Pública de São Paulo entre 1974 e 1979, ficando famoso por sua atuação aos opositores do regime militar.

Quando deixou a Segurança Pública, foi deputado federal de 1979 a 1983, e deputado estadual pelo PDS, por três legislaturas (1987/1991; 1991/1995 e 1995/1999). Também vereador à Câmara Municipal de São Paulo de 2001 a 2004.

Acusado de “arbitrário e truculento”, frequentemente dizia a seus interlocutores que agia amparado no sistema legal vigente, segundo informações do jornal ‘O Estado de São Paulo’.

Erasmo Dias em 1976 — Foto: ESTADÃO CONTEÚDO

Invasão na PUC

A missão mais polêmica de Erasmo Dias foi o cerco ao campus da Pontifícia Universidade Católica (PUC) em 22 de setembro de 1977.

Naquele dia, um grande grupo de estudantes de diversas universidades estava reunido em frente ao Teatro PUC, chamado de Tuca, em São Paulo, em um ato contra o regime militar.

Os jovens pediam a volta da democracia, anistia, eleições, e uma assembleia constituinte, além da reestruturação da União Nacional dos Estudantes (UNE), considerada ilegal.

Foi quando policiais e militares, comandados pelo coronel do Exército Erasmo Dias, então Secretário de Segurança Pública do Estado, invadiram o local. Dias afirmava: “Ato público é proibido. Está tudo mundo preso”.

Imagens daquela noite mostram que, enquanto a polícia avançava, foram atiradas bombas de gás lacrimogêneo, de efeito moral e, algumas, incendiárias. Algumas pessoas ficaram feridas, algumas com queimaduras graves.

Quem não tinha uma relação direta com a PUC, ou tinha algum registro anterior na polícia por atividade política, foi preso. Foram mais de 500 pessoas, que foram levadas para um batalhão da PM, o Tobias de Aguiar, na avenida Tiradentes. O grupo foi levado de ônibus a partir da rua Monte Alegre.

Os presos passaram a noite sendo questionados, foram fotografados, tiveram as impressões digitais retiradas e foram fichados pelo DOPS, a polícia política, tendo sido libertados no dia seguinte. Alguns deles foram processados com base na Lei de Segurança Nacional.

Homenagens

Aluno morto durante o regime militar é homenageado
pela PUC-SP — Foto: Reprodução/Facebook/PUC-SP

Em 2017, 40 anos após a invasão de policiais para impedir ato contra a ditadura militar, a PUC-SP promoveu um ato para diplomação simbólica de cinco estudantes da universidade que foram assassinados pelo regime militar durante a ditatura (1964-1979)..

Os estudantes Carlos Eduardo Pires Fleury (1945-1971), Cilon Cunha Brum (1946-1974), José Wilson Lessa Sabbag (1943-1969), Luiz Almeida Araújo (1943-1971) e Maria Augusta Thomaz (1947-1973) foram os homenageados. Os diplomas foram entregues para seus familiares. O ato foi no Tucarena.

Também foram homenageados Dom Paulo Evaristo Arns e a reitora à época da invasão, professora Nadir Kfouri.

Fonte: G1