Venezuelanos são resgatados de trabalho análogo ao de escravo em Cafelândia
Segundo o MPT, os venezuelanos trabalhavam para um agenciador que trouxe o grupo de Boa Vista (RR), por intermédio da Operação Acolhida, com o apoio do Exército Brasileiro. Deram apoio à ação a Defensoria Pública da União (DPU) e a Polícia Federal (PF).
Na chegada do grupo, o agenciador, conhecido como “turmeiro”, confiscou os cartões-alimentação entregues aos trabalhadores em Boa Vista por uma organização que dá ajuda humanitária a refugiados e migrantes. No grupo havia uma criança e uma adolescente, que não estavam na situação de trabalho.
Em depoimento prestado ao MPT, um dos trabalhadores informou que o grupo assinou um pré-contrato contendo as condições de trabalho, com a promessa de registro em carteira de trabalho, salário de R$ 1,5 mil, jornada de 44 horas semanais e alojamento custeado pelo empregador.
Durante o período de trabalho, que foi de cerca de 20 dias, os trabalhadores não receberam nenhuma remuneração, exceto o valor de R$ 50, que teve que ser devolvido ao empregador para o custeio de alimentação.
Também não houve fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs), como luvas e botas, e não havia banheiros nas frentes de trabalho, ou mesas e cadeiras para refeição.
De acordo com o MPT, como nada disso foi cumprido os auditores fiscais do trabalho efetuaram o resgate, concedendo aos imigrantes o direito de receber as parcelas do seguro-desemprego de forma imediata.
Doze venezuelanos são resgatados de trabalho
análogo ao de escravo em Cafelândia — Foto: MPT/Divulgação
Além disso, o turmeiro e o comprador da laranja deverão efetuar o registro em carteira de trabalho e decorrente rescisão do contrato de trabalho, com a obrigação de pagar as verbas rescisórias devidas, além de uma indenização por danos morais individuais no valor de R$ 5 mil para cada trabalhador.
Os beneficiários do serviço de colheita, representantes da fazenda, assumiram responsabilidade solidária pelo cumprimento do acordo, assinando um termo de ajuste de conduta com o MPT e a DPU.
Transporte e alimentação irregulares
Os venezuelanos chegaram ao interior de SP pelo aeroporto de São José do Rio Preto, e em seguida foram alojados na cidade de Júlio Mesquita, que fica a duas horas de ônibus do distrito de Bacuriti, onde fica a fazenda de laranja.
Para chegar ao local da colheita no distrito de Cafelândia, os venezuelanos pegavam o ônibus de madrugada, por volta de 5h, e retornavam ao alojamento em Júlio Mesquita às 17h. O trajeto era feita em veículo sem autorização do DER para o transporte de trabalhadores rurais.
A comida era feita por uma cozinheira venezuelana utilizando alimentos de cestas básicas fornecidas pela Prefeitura de Júlio Mesquita.
Doze venezuelanos são resgatados de trabalho
análogo ao de escravo em Cafelândia — Foto: MPT/Divulgação
Também não foram fornecidas marmitas térmicas, de forma que os colhedores levavam suas refeições em pequenos potes de plástico, sendo obrigados a comê-las frias e com risco de azedar. Havia quatro galões de água para 12 trabalhadores, sem copos suficientes para todos.
Chegando a Júlio Mesquita, o turmeiro informou aos trabalhadores que apenas seriam registrados depois de um mês de trabalho. Em depoimento ao MPT, o turmeiro informou que o contratante direto seria a fazenda dona da plantação.
Por iniciativa própria, os trabalhadores deixaram de prestar serviços para o agenciador e foram embora de Júlio Mesquita no último dia 8 de junho.
O empregador, por sua vez, reteve os documentos dos imigrantes, incluindo CPFs e cartões-alimentação. Segundo os imigrantes, foram recuperados oito dos 11 cartões que estavam em posse do agenciador.
Os venezuelanos foram para Marília e foram acolhidos pela Secretaria de Direitos Humanos do Município, pernoitando em um abrigo municipal.
A própria secretaria efetuou o desbloqueio dos cartões dos trabalhadores, o que possibilitou que custeassem uma moradia provisória.
Mais venezuelanos agenciados
Em depoimento ao MPT, o agenciador afirmou que, para angariar a mão-de-obra dos venezuelanos, apresentou aos representantes da Operação Acolhida, em Boa Vista, o CNPJ de uma pessoa jurídica MEI utilizada para a venda de semijóias. Contudo, ele informou aos militares que os contrataria para serviços de empreitada.
Os integrantes da operação também levantaram que o mesmo turmeiro que submeteu os trabalhadores à condição análoga à escravidão em Cafelândia já possui um novo pedido junto ao Exército para trazer outros 40 venezuelanos para São Paulo.
“Vamos notificar o Exército Brasileiro sobre o resgate em Cafelândia a fim de impedir o envio de novos trabalhadores, além de recomendar o aprimoramento dos controles, checagem e fiscalização das empresas que solicitam a mão-de-obra de venezuelanos para utilizá-las em suas operações”, disse Marcus Vinícius Gonçalves, da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete). Fonte G1